2010/09/29

Um texto de Verão

Um dia igual aos outros. Sem menos chuva, menos trovões e menos escuridão. O Inverno. Persistente. Ele já estava habituado, conformado. Olhava pela janela e pensava, deixava-se levar. O som até que era agradável, os olhos já estavam habituados, as pupilas dilatadas, o corpo já não secava e até ajudava a humedecer o coração. Chovia, ele assistia, mas o espaço fechado começava a irritá-lo. Bateu com a porta de casa! Abriu a porta da rua! A chuva escorria-lhe agora pela cara. Que se lixe ele queria andar. Já nada o incomodava.

E andou, olhava para as pessoas, umas à chuva, outras protegidas por guarda-chuvas, outras que nem se arriscavam a sair de casa. Reparou em cada um deles. Os primeiros olhavam, de tempo a tempo o céu, transmitindo um misto de esperança com tristeza… tristes porque o inverno era mais longo que o habitual, esperança quando vislumbravam um raio de sol a tentar furar a escuridão. Paravam, passavam a mão pela cara como se tentassem enxaguar o impossível, suspiravam e recomeçavam a andar. Havia que continuar, podia ser que ao virar da esquina estivesse um beiral de abrigo. Os segundos passavam, indiferentes ao resto do povo, eles estavam bem, respiravam o ar puro e a chuva não os molhava. O seu andar era relaxado, estavam protegidos. Os terceiros. Por detrás das janelas o pavor era evidente. Não tinham guarda-chuva mas também não arriscavam molhar-se. Uma indecisão. O descontentamento por estar fechado era evidente mas a chuva molha. Daí a postura nervosa e os olhos bem abertos. Era mais seguro ver o mundo passar…

Neste pensamento ele continuava caminho, ainda não sabia onde ia. Apetecia-lhe somente caminhar. De repente um carro. Uma poça. O corpo, já molhado, coberto de lama. Não teve tempo de praguejar, ou talvez nem lhe tenha apetecido. Ficou sem saber. Lembrou-se que havia um quarto grupo - os que andavam de carro… não sabiam como estava o tempo, não sentiam o frio, e muito menos a chuva. Teria ele percebido que o havia molhado? Teria sido propositado? Nunca o saberia. Desconfiava mas preferia não acreditar.

Olha que se lixe. Sacudiu as pernas libertando o máximo de lama que podia, olhou em volta, viu que não vinha mais nenhum carro e seguiu caminho. Não era este episódio que o faria desistir da sua caminhada. Avistou um jardim. Porque não? As árvores até davam algum abrigo. Viu um banco, vazio, molhado. Porque não? Até estava cansado… Sentou-se, começou a olhar à volta. Não viu ninguém. Hoje me dia as pessoas já não vão a jardins. Pensou se seria porque não tinham tempo, se porque preferiam aproveitá-lo com outras coisas ou se, simplesmente, já não os viam. Mais uma que ficava sem resposta. Suspirou e aproveitou o momento. Fechou os olhos canalizou as atenções na audição e no tacto. A chuva até que sabia bem e, o som que fazia, relaxante. De repente, algo o perturbou. Um chilrear distante. Um chilrear aflito. Abriu os olhos! Não conseguia ouvir nada. Estaria a visão a roubar-lhe espaço? Estaria a visão a abafar-lhe a audição? Decidiu fechar os olhos. Conseguia ouvir outra vez! Levantou-se e, às apalpadelas, foi caminhando no vazio em direcção ao chilrear. Estava perto, tornou a abrir os olhos. Viu uma andorinha encharcada. Tremia de frio, o peso da água e o frio era de tal ordem que a impedia de voar, de se abrigar. Tentou agarrar-lhe, ela defendeu-se, sacudiu-se e deu-lhe uma bicada na mão. Não doeu. Puxou de um lenço e tentou uma vez mais agarrá-la, sussurrou-lhe palavras, tentou acalmá-la… conquistar-lhe a confiança. Quando por fim a agarrou, reparou que trazia uma margarida presa à asa. Seria a andorinha da primavera? Colocou-a cuidadosamente no bolso, providenciando-lhe o conforto e abrigo necessários, e encaminhou-se apressadamente para casa. Abriu a porta de entrada e estranhamente o espaço não lhe pareceu tão fechado. Puxou a andorinha, limpou-a com um pano seco. Devia ter fome! Só lhe sobrava um pedaço de pão seco e bolorento. Nada mais tinha para lhe oferecer… Decidiu arriscar, desfez o pão em migalhas e estendeu timidamente a mão à andorinha. Ela olhou, mostrou algum receio e por fim deu uma bicada. Ele abriu mais a mão e a andorinha calmamente comeu cada migalha.

Incrível como o tempo havia passado rápido. Tinha que ir dormir. Preparou um abrigo para a andorinha e foi-se deitar. Acordou de manhã com um chilrear alegre, abriu os olhos calmamente e viu a andorinha a voar pelo quarto, vislumbrou um raio de sol a atravessar-lhe a persiana. Levantou-se num ápice, abriu a persiana… o sol brilhava! Queimava-lhe ligeiramente a cara. Rasgou-lhe a face e fez aparecer um sorriso. Abriu a janela! Era tão bom o calor… a andorinha voou… partiu… e voltou!

2010/09/21

2010/09/17

2010/09/15

2010/09/07

É que assim não vamos lá...

Vejo cada vez mais gente com olhos tristes por detrás de um sorriso. Não gosto.
Precisamos claramente de mais filósofos e menos políticos e empresários nesta sociedade. Precisamos de quem nos faça questionar e não de quem nos indique um caminho.

É que assim não vamos lá...

Já acabámos com a Terra agora queremos acabar com a nossa essência. São precisas mais vozes, mais gente a pensar,menos gente a mandar, menos gente a dar espectáculo.

É que assim não vamos lá...

Trabalho, dinheiro, casa, carro... E o resto?
Deixemo-nos de tretas. É urgente que comecemos a olhar para nós próprios,
que comecemos a ver aquilo que realmente nos interessa e o que nos faz feliz.
Está lá bem no fundo, é a nossa essência.

É que assim não vamos lá...

Deixemo-nos de medos. É assim tão difícil para o ser humano enfrentar-se a si próprio? Perceber-se a si próprio? Não entendo um terço dos medos de muita gente. Estão presos. Seguem "aquele" caminho. Traçam-lhe um carreiro e ali vão eles. Já não somos sociedade. Somos uma espécie de formigueiro. Todos ordenados mas sem o melhor de um formigueiro - o espírito de entreajuda e o trabalhar pelo bem comum.

É que assim não vamos lá...

(Inspiração)